Por Aline Veloso
Naquela noite, tudo
foi diferente, ela se deitou com a dor da perda, com a sensação de ter
envelhecido mil tempos e vivido mil vidas em uma única rotação da Terra.
Lembrou da noite passada e em como estava satisfeita consigo mesma. A noite
passada estava há mil noites dali. As almofadas eram as mesmas e as paredes
também. Mas algo estava ao contrário hoje. Ela já não se lembra de ter o feito,
mas, à tarde, retirou das paredes os enfeites natalinos.
Por algum motivo, ela
sabe que esse ano Jesus não nasce em sua casa. Virou-se para o lado da janela e
observou a noite. Continuava linda, mas hoje não tem luar, e ela está sem ele.
Já não sabe onde procurar, não sabe onde ele está. Telefonou algumas vezes
antes de tentar dormir. Discava o mesmo número sempre, tentou mais de mil
vezes. Mas ele não atendia. Seu marido, já deitado, berrou com raiva: "Ele
já não pode mais lhe atender, Maria" e então, ela desistiu por não querer
acordar os netos com os berros do velho.
Deitou um pouco
preocupada por não ter conseguido falar com seu filho durante o dia. Fechou
seus olhos e adormeceu com lágrimas nos olhos. Ela chorava toda vez que sentia
a cabeça pesar. Tenho certeza que não sonhava, mas Maria achava que sim. Ela
sonhou com a noite passada. No sonho, era acordada aos tapas por José, colocava
os óculos de cabeça para baixo e o roupão ao contrário. "Corra, Jesus está
indo para o calvário." "Mas é Natal", ela pensava, ela só sabia
pensar que era Natal.
Os dois desceram juntos
a viela e lá viram a polícia, viram sua família, conhecidos e um corpo. Um
corpo no chão. Assim que o viu, Maria desceu os braços sob o corpo e chorou.
Mesmo que todos a puxassem de volta. João dizia para a senhora voltar mas ela
nada ouvia, nada sentia. Sentia apenas seu filho nos braços. O filho que banhou
e amamentou. Sua dor era não poder reconhecê-lo pelo rosto, o rosto que tanto
acariciou e fez sorrir, estava agora destruído.
Uma alma sem rosto
vaga sem rumo. Uma alma sem rosto não pertence ao céu, nem ao inferno. Maria
acordou assustada, sentou-se devagar na beirada da cama e tentou telefonar mais
uma vez. Depois de um sonho como esse, precisava se
certificar do seu filho. Minha reza é para que ele ressuscite, assim como fez
na Páscoa, para então nascer e que Maria nem precise perceber sua morte.
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